ESTRADA DE FERRO
LEOPOLDINA - 141 ANOS (*)
Um breve
histórico - 8-X-1874 - 8-X-2015
No dia 8 de outubro de 1874, com a
inauguração das Estações de São José (Km-3), Pântano (Km-12) e Volta Grande
(Km-27), entrava em operação a Estrada de Ferro Leopoldina - a primeira
ferrovia genuinamente criada em Minas Gerais. A Estação do Pântano recebeu,
posteriormente, o nome de Estação Antonio Carlos, em homenagem ao Comendador
Antonio Carlos Teixeira Leite, proprietário da Fazenda do Pântano, em cujas
terras foi erguida a primitiva Estação de Dores do Pântano, hoje denominada
Fernando Lobo – em memória de Fernando Lobo Leite Pereira, Deputado, Senador,
Ministro das Relações Exteriores, Ministro Justiça e Negócios Interiores no
Governo Floriano Peixoto, Constituinte de 1891, Diretor e Vice-presidente do
Banco do Brasil, irmão de Américo Lobo Leite Pereira, que foi Governador do
Paraná e advogou em Leopoldina em fins do séc. XIX. As Estações de São José e
de Volta Grande ainda permanecem com suas denominações originais. Além
Paraíba é, portanto, o berço da E. F. Leopoldina, no Brasil.
Estiveram
presentes à solenidade de inauguração Sua Majestade, o Imperador Dom Pedro II,
vários integrantes do Corpo Legislativo, o Ministro da Agricultura –
Conselheiro José Fernandes da Costa Pereira, os Conselheiros Christiano
Benedicto Ottoni e Ignácio Marcondes Homem de Mello, além de diversas
personalidades do Império, da Província, do Município e da região.
Até
um pouco antes, aqui nesta zona, o transporte ferroviário chegava somente até a
Estação de Porto Novo – ponto final da 3ª Seção da Estrada de Ferro D. Pedro
II, depois chamada Estr. de Ferro Central do Brasil. Até então, o transporte do
café produzido nesta região era feito sobre o lombo das tropas de burros e
mulas, para se alcançar o fundo da baía da Guanabara e, daí, chegava ao Rio de
Janeiro. Esta 3ª Seção foi construída a partir de iniciativa de Christiano
Benedicto Otonni que, mesmo tendo deixado a presidência daquela Ferrovia, criou
uma empresa, denominada “Companhia
Mineira”, para se incumbir da construção do citado trecho. Para obter
recursos, Ottoni emitiu Carta-circular aos cafeicultores da Mata mineira,
solicitando a subscrição de ações da empresa (Este pesquisador possui exemplar
desta carta, datada de dezembro de 1866 e dirigida a seu tetravô, Joaquim
Honório de Campos, então futuro Barão do Rio Pardo, vereador à Intendência de
Leopoldina e fazendeiro em Piedade, atual Piacatuba). A obra foi realizada sob
a supervisão do Eng. Francisco Pereira Passos que, tempos depois, tornar-se-ia
Prefeito do Rio de Janeiro, então Distrito Federal. Em 2 de agosto de 1871, foi
inaugurada a Estação de Porto Novo, ponto terminal da referida 3ª Seção da
Estrada de Ferro D. Pedro II. O tráfego foi aberto, oficialmente, no dia 6 de
agosto. Porto Novo foi também o marco inicial (Km-0) da Estrada de Ferro da
Leopoldina.
O que muitos não sabem é que o nome
da empresa não é uma homenagem à Imperatriz Dona Leopoldina - mãe de D.
Pedro II. Na realidade, o Governo Provincial Mineiro, através da Lei nº 1826,
de 10.10.1871, autorizou a construção de uma ferrovia que, partindo de Porto
Novo, chegasse à cidade de Leopoldina.
Portanto, a Estrada de Ferro Leopoldina
tem esse nome por causa da cidade de Leopoldina.
A construção da Leopoldina esteve a
cargo do Concessionário, Eng. Antonio Paulo de Melo Barreto (Visconde de Melo
Barreto, em Portugal), também o primeiro Presidente da Companhia. As obras
prosseguiram rapidamente e - além de São José, Pântano e Volta Grande - foram
também entregues ao tráfego, ainda em 1874, as Estações de São Luiz (Km-37) -
atual Trimonte - e de Providência (Km-43). Alegando questões de ordem técnica,
Melo Barreto obteve, em 14 de agosto de 1876, autorização para alterar o
terminal da linha-principal (Porto Novo/Leopoldina), inicialmente previsto, e a
estrada foi levada até Sta. Rita do Meia Pataca, atual Cataguases. A mudança
gerou insatisfação nos leopoldinenses,
que lutaram pela criação de um Ramal para ligar Leopoldina ao tronco
principal, em Vista Alegre. A Estação de Cataguases foi inaugurada em 2 de
julho de 1877. A Estação da Cidade de Leopoldina foi inaugurada em
31.07.1877. Estava cumprida a
missão para a qual se formara a Cia. Estrada de Ferro Leopoldina.
A exemplo do ocorrido com a Ferrovia Dom
Pedro II, os principais financiadores da E. F. Leopoldina foram os grandes
cafeicultores da região, merecendo destaque o mencionado Comendador Antonio
Carlos Teixeira Leite, proprietário da aludida Faz. do Pântano, filho dos
Barões de Itambé e irmão dos impulsionadores da ferrovia na região de
Vassouras-RJ. Esta fazenda passaria, mais tarde, a seu genro, Joaquim José
Álvares dos Santos Silva – então futuro Barão de São Geraldo - ex-Presidente da
Câmara Municipal de Além Paraíba (equivalente a Prefeito, hoje), ex-Senador
Estadual e ex-Diretor da E. F. Leopoldina.
Em abril de 1881, Santos Silva hospedou,
na fazenda, o Imperador D. Pedro II e a Imperatriz Dona Teresa Cristina, quando
de sua viagem ferroviária à província mineira. O livro que contém a assinatura
de ambos, registro de sua visita à fazenda – já demolida – e à Capela de N.
Sra. do Rosário do Pântano, ali ainda existente (hoje tombada como Patrimônio
Histórico do Município de Volta Grande), pertence agora ao acervo do Museu Imperial
de Petrópolis. Segundo o ilustre historiador Oiliam José, a Estação de São
Geraldo – embrião da atual cidade de São Geraldo-MG – foi assim denominada em
homenagem ao Barão.
Nessa memorável viagem, D. Pedro II e D.
Teresa Cristina visitaram inúmeras cidades da região. O Imperador deixou
registradas em seu diário muitas das ocorrências havidas durante a jornada,
como sua passagem por Além Paraíba (Porto Novo), Pirapetinga, Vista Alegre,
Leopoldina, Cataguases, São João Nepomuceno, Bicas, Rio Novo, São Geraldo,
Presídio (Visc. Rio Branco), Ubá e outras, na região. Além de consignar o
pernoite na Fazenda do Pântano, entre 28 e 29 de abril de 1881:
“28
(5ª fª)... Achei Sapucaia muito adiantada e ainda mais Porto Novo. Aí tomei o vagão aberto e muito cômodo a
estrada de ferro da Leopoldina (sic). O Melo Barreto foi me informando de tudo.
... Estação do Pântano e daí a pé até casa que é uma espécie de palácio
sobretudo internamente e situada no cimo de uma colina de Santos Silva um dos
diretores da Leopoldina casado com a filha de Antonio Carlos Teixeira Leite,
que era o dono da fazenda há 2 anos e sobrinha do barão de Vassouras (sic).
Cheguei aqui às 3 ¼. Já tomei excelente banho em quarto destinado a esse fim e
o jantar é às 6h. ... Jantar às 6h. Depois conversei. ... 29 (6ª fª) 5h ¼. Já
tomei banho de chuveiro. ... Às 5 ½. Vou ver a capelinha da fazenda e parte o
trem às 6h. A capela é pequena, porém singela e bonita internamente. Roseava a
neblina quando para ela subia. Partida às 6 h”. Ainda no dia 29, hospedou-se na fazenda
do Dr. José Cesário de Faria Alvim (Ministro do Interior e Presidente de Minas,
na República), próxima de Ubá, de onde viera uma banda-de-música, que elogiou.
Aqui, registrou em seu diário:
“No
Pântano a banda era de escravos da casa”.
No dia 30 de abril de 1881, um sábado,
retornando de Ubá, D. Pedro II passou por Leopoldina, aonde chegou às 11 ½ h;
sendo recebido por comissão formada por membros do Club Agrícola, da Irmandade
do Santíssimo e por Oficiais da Guarda Nacional tendo à frente o Ten. Cel.
Antonio Maurício Barbosa. Os integrantes da Câmara – com matizes republicanos –
não participaram desta comissão. Também foi saudado por quatro
bandas-de-música. Almoçou, visitou a Cadeia, a Câmara, o Colégio N. Sra. do
Amparo e a Matriz. Embarcou na Estação às 13 ¾ h, com destino à Côrte. Baldeou
em Vista Alegre. Ao findar a viagem, escreveu: “Seguimos cerca das 2h ¼. 4h 40’ chegamos ao Pântano. 5h São José de
Além Paraíba. A igreja está ficando bonita. 11h. 40’. Chegada com chuva à
estação da Quinta (Quinta da Boa Vista, no Rio). O Buarque (Conselheiro Manuel
Buarque de Macedo, Ministro da Agricultura) entrou no trem na estação de Porto
Novo do Cunha”.
Com o passar do tempo a E. F. Leopoldina foi construindo
novas linhas e comprando outras ferrovias, sempre mantendo o seu nome original
que, inclusive, substituía as denominações das empresas adquiridas. Em 1891, a
rede da Leopoldina já abrangia 2.127 km nos Estados de Minas Gerais, Espírito
Santo e Rio de Janeiro. Em 1893, após passar por grandes dificuldades
financeiras, a empresa amargava uma gravíssima situação deficitária, já tendo
substituído, por várias vezes, a sua Diretoria.
No final de 1894, ocorre, em Além
Paraíba, uma desastrosa Epidemia de Cólera, já disseminada pelo Vale do Paraíba.
A população, para prevenir o contágio, arrancou muitos quilômetros de trilhos
na região, aumentando os prejuízos e as dificuldades da Companhia, que
continuaram a se avolumar nos anos seguintes.
Após tomar inúmeros empréstimos externos
que não conseguia saldar, a empresa era, finalmente, transferida para o
controle inglês. No dia 16 de dezembro de 1897, foi criada em Londres a The
Leopoldina Railway Company Limited, que foi autorizada a funcionar no
Brasil pelo Decreto nº 2.797, de 14 de janeiro de 1898. Nessa época, apesar de
já possuir cerca de 2.900 km de linhas, a Leopoldina ainda não alcançava a
cidade do Rio de Janeiro, chegando apenas até Niterói e ao fundo da Baía da
Guanabara. O contorno da Baía, terminado em 1925, foi uma obra dispendiosa e de
difícil execução, devido às áreas pantanosas que exigiram a construção de
grandes aterros e pontes com estaqueamento profundo. A Estação Barão de Mauá,
localizada na Av. Francisco Bicalho, na então Capital da República, foi
inaugurada em outubro de 1926
Em 30.04.1949, os ingleses deixaram a
direção da Leopoldina, que passou a ser exercida por um administrador-geral
designado pela União, após acordo firmado entre aqueles acionistas e o Governo
brasileiro. Em 20.12.1950, pela Lei nº 1.288, o Governo Federal encampou a
Leopoldina Railway que voltou a denominar-se Estrada de Ferro Leopoldina,
ficando sob a jurisdição do Ministério da Viação e Obras Públicas, e
subordinada ao Departamento Nacional de Estradas de Ferro. A malha ferroviária
da Companhia, nessa época, superava os 3.000 km. No dia 16 de março de 1957,
foi criada a Rede Ferroviária Federal S.A., à qual a Leopoldina foi
incorporada e sob cuja denominação permaneceu até 1998, quando foi adquirida
pela FCA – Ferrovia Centro Atlântica, após os processos de privatização
das ferrovias federais. A Estação e o Ramal de Leopoldina foram oficialmente
desativados em 25.02.1965.
Durante alguns anos, já no início do
século XXI, nas instalações das Oficinas da Leopoldina – inauguradas na década
de 1880 e que já empregaram milhares de funcionários que fazem parte da memória
histórica e social de Além Paraíba – funcionou a Eletromecânica GITAL, empresa especializada na montagem e reforma
de equipamentos ferroviários, responsável pela construção dos dezoito carros de
passageiros e vagões temáticos que compõem o Trem turístico que liga Ouro Preto
à Mariana.
A pequenina e singela Estação de São
José, relíquia memorável do trem, no Brasil, é a Primeira Estação da Estrada de
Ferro Leopoldina no país.
Em 1999, foi transformada em Museu da E. F. Leopoldina, hoje desativado, então
administrado pela ABPF-PN - Associação Brasileira de Preservação
Ferroviária/Seção Porto Novo.
Essas construções e as demais, hoje
completamente abandonas, em face do desinteresse, da falta de visão e do
descaso dos últimos governos municipais – como a Casa da Balança, Rotunda,
Escritório e Oficinas, Estações de Porto Novo e Fernando Lobo, Ponte de Mello
Barreto, entre outras, que formam o que denomino de “Complexo Histórico
Ferroviário de Além Paraíba”, foram tombadas pelo Patrimônio Histórico e
Artístico Municipal. Constituem, ao lado da Locomotiva 51 - construída
nos EUA, em 1880, como querem uns, ou em 1885, como afirmam outros, pela The
Baldwin Locomotive Works -, os principais pilares para a implementação do Projeto
Turístico-cultural ‘®Trem-do-Chorinho’, com um forte viés social e ligando Além Paraíba a Volta Grande
(que previa a sua possível extensão a outras localidades mineiras e
fluminenses), desenvolvido, em 2001, pelo Engenheiro Nilo O. L. Passos (atual
Presidente da SEAERJ – Sociedade de Engenheiros e Arquitetos do Estado Rio de
Janeiro), pela ONG Instituto CULTURAR, em parceria com a ABPF-Porto Novo e a
então Associação Gestora do Circuito Turístico das Áreas Proibidas.
Em 8 de outubro de 2009, foi lançado em
Leopoldina-MG um outro projeto de trem turístico-cultural, denominado ‘Expresso
Humberto Mauro’, que ligaria Cataguases à Volta Grande. Mas, infelizmente,
a ideia não foi adiante. Recentemente, em razão da supressão, em julho último,
do tráfego de trens de minério (bauxita), nessa estrada primitiva e centenária,
foi aventada a criação de uma linha regular de passageiros, entre Cataguases-MG
e Três Rios-RJ. Torçamos para que seja, de fato, implementada; e para que não
seja, apenas, um mero projeto com motivação eleitoreira. Seria, oxalá, a
Leopoldina revitalizada, criando novas perspectivas econômicas e sociais para a
região, desde que inserida em um plano bem estruturado, local e regionalmente.
Ou, como diria Aloísio Magalhães, designer
gráfico e ex-diretor do IPHAN:
‘O
tempo cultural não é cronológico. Coisas do passado podem, de repente,
tornar-se altamente significativas para o presente e estimulantes do futuro’.
(*)Plinio
Fajardo Alvim –
Administrador pela UFRJ. Pós-graduado. Ferroviarista. Ambientalista.
Pesquisador da História Regional. Membro da AFL – Academia Ferroviária de
Letras, do MPF – Movimento de Preservação Ferroviária, do GBV – Grupo Brasil
Verde e do Instituto CULTURAR. Ex-integrante
do Conselho Municipal de Turismo de Além Paraíba e da Assoc. Gestora do Circuito
Turístico Áreas Proibidas. Autor de dezenas de trabalhos sobre estes temas,
publicados em várias mídias e localidades, Minas a dentro e Brasil a fora.
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