quarta-feira, 19 de abril de 2017

Workshop Transporte Ferroviário - Joinville/SC - Newton Fund (31/07 - 04/08)


Prezados,

É um prazer convidá-lo a se inscrever para participar do 1º Workshop Internacional na área do transporte ferroviário e metroviário (Brasil - Reino Unido) em Joinville, Santa Catarina o qual é financiado pelo British Council - Newton Fund. O workshop será realizado em Joinville - Santa Catarina (31 de Julho de 2017 - 4 de Agosto de 2017). Para os candidatos aprovados, os custos de viagem e estada serão cobertos pelo projeto.

Pretendemos recrutar 14 pesquisadores brasileiros em início de carreira que tenham como área de pesquisa ou interesse o transporte ferroviário e metroviário (gestão, operação e projeto) para participar do workshop e representar suas instituições. O formulário de inscrição pode ser encontrado aqui: http://newtonrailway. ufsc.br/application-form/

Prazo de candidatura: 10 de Maio de 2017

Mais informações sobre o workshop podem ser encontradas em nossa página:http://newtonrailway. ufsc.br/

Informativo AFPF edição especial



segunda-feira, 17 de abril de 2017

LUÍS OCTÁVIO. O MITO, O MESTRE. Por Eduardo P.Moreira (“Dado”)


Missa de sétimo dia de falecimento do Luís Octávio será realizada na quarta-feira dia 19/04 às 17:30hs, na Igreja Santa Mônica - Av Ataulfo de Paiva - Leblon
Vamos compartilhar e prestigiar com nossa presença a memória do Mestre Luís Octávio.

Olá amigos e amigas.
Em anexo estou enviando um informativo extraordinário, em homenagem póstuma ao Mestre Luís Octávio do Oliveira, falecido no último dia 13 de abril.
No texto conto algumas experiências e momentos que passei com ele, mas não são a mínima fração do que ele representa para todos nós. É uma perda imensa ...
Atenciosamente,
Eduardo P.Moreira
Presidente AF Trilhos do Rio

Conheci o sr.Luís Octávio de Oliveira no dia 18 de abril de 2009, mês do ferroviário, e em local apropriado: na estação Barão de Mauá. Curiosamente, este encontro se deveu ao antigo Orkut, pois marquei com um amigo dessa rede social para nos conhecermos na estação. Durante o nosso bate-papo, notei um senhor que percorria as plataformas da esta-ção, anotando em um papel tudo que via: locomotivas, peças, vagões, carros de passageiros, estado das plataformas, tudo detalhadamente anotado em um papel qualquer, sem qualquer luxo. Era o Luís Octávio. Ele veio até nós, nos cumprimentou e se apresentou, e aproveitando a sua disponibilidade, pedi que tirasse uma foto minha com o meu ami-go. Mal sabia eu que estava perdendo a oportunidade de registrar o que seria o início de uma grande amizade, não só maior devido à correria do dia a dia e à minha rotina estafante.
Após a fotografia, o agradeci e vi o resultado da imagem, que ficou meio torta e fora de enquadramento. Perguntei ao meu amigo o que Luís Octávio fazia na estação, e ele disse que sempre estava lá, verificando se faltava alguma coisa ou se algo havia sido removido do lugar. Comentei que ele parecia meio doido de fazer isso, mas não demorou muito tempo para eu perceber, com muito orgulho, que todos somos doidos, mas no sentido figurado. São devaneios que poucos entendem, mas que fazem muito sentido na vida de cada um, na missão que cada um tem nessa vida.
Algum tempo depois nos encontramos novamente em Barão de Mauá, e durante a conversa eu soube que ele morava no mesmo bairro que eu. Na época eu passeava com cães para complementar a renda, e frequentemente o encontrava durante estes passeios. Certa vez o vi à noite, caminhando com certa dificuldade na calçada, e me assustei. Me aproxi-mei e falei com ele, que surpreso, disse que estava tudo bem. Estava apenas apertado para ir ao banheiro, segundo ele. Aliás, o bom humor era, entre muitas outras qualidades, a sua marca registrada.
Luís Octávio costumava tocar piano em um supermercado do bairro. O vi no local muitas vezes, sendo que às vezes eu apenas apreciava, algumas vezes eu ía falar com ele, em outras eu não queria atrapalhar. Teve ocasiões em que o filmei durante o show que ele dava no teclado, me lembro que em uma dessas ocasiões era véspera de Natal. Fiquei pensativo, me perguntando se ele não tinha família, mas era uma opção dele, ele costumava ficar sozinho no seu apar-tamento, planejando, pesquisando, escrevendo, tocando piano ou clarinete, ou simplesmente lendo. Devido a isso, Luís Octávio tinha mais uma característica: era uma enciclopédia viva do meio e da cultura ferroviária;
Certa vez, durante um “passeio canino”, o encontrei e conversamos um pouco. Na época eu ainda estava me aprofun-dando no assunto, e ele me convidou para ir à sua residência. Comentei que eu precisava deixar o cachorro na casa dos donos, mas ele falou que podia ir com cachorro e tudo na casa dele ! Como a família dona do cão é muito amiga minha até hoje, e eu costumava passear o tempo que quisesse, fui com cachorro e tudo na casa do Luís Octávio. Lá me deparei com uma certa bagunça organizada: chão empoeirado, objetos jogados sobre os poucos móveis, dezenas de papéis com anotações e uma considerável quantidade de livros antigos e raros, além de revistas, jornais e informati-vos da AFPF (Associação Fluminense de Preservação Ferroviária, a qual ele foi fundador e presidente). Li rapidamente alguns livros e mapas que ele me mostrou, enquanto ele brincava com o cachorro, parecia que eles se conheciam há muito tempo. Essa foi a primeira de muitas visitas que fiz à sua residência.
Guardo muitas lembranças do Mestre, e muitas histórias engraçadas e curiosas. Uma delas foi durante as obras do Metrô Linha 4, que causou transtornos aos moradores de vários bairros por onde a linha passa em subterrâneo. Cortes de energia, interrupção de serviços de telefonia e tv a cabo, explosões para abertura dos túneis, trepidação durante a passagem do “Tatuzão” (TBM, máquina usada para escavar as galerias) ... em uma ocasião não conseguíamos falar com o Luís Octávio por mais de 15 dias. O seu telefone tocava e ninguém atendia, até que eu fui lá e vi durante a noite que uma luz estava acesa. Pensei que ele estivesse em casa, mas interfonei e nada. Decidi voltar no outro dia, preocu-pado. Fiquei mais nervoso ainda ao ver que a luz estava acesa durante o dia ! Novamente interfonei e ninguém aten-deu. Pensei no pior, mas consegui me controlar, não ligando pra bombeiros ou polícia. Decidi pela última vez voltar à noite, e surpresa ! Ele abriu o portão na hora que eu toquei no interfone. Perguntei o que tinha acontecido, e ele disse que estava em Miguel Pereira, tinha acabado de chegar, e que costumava deixar a luz acesa para pensarem que tinha alguém em casa. Além disso, o telefone estava quebrado, as obras do Metrô tinham danificado o cabeamento, por isso ninguém conseguia contato por vários dias. Após esse alívio, telefonei a todos que me ligavam, avisando.
Certa vez, após muitos encontros na rua, o perguntei se ele não tinha algum livro que pudesse me emprestar para ler ou digitalizar na minha casa. Eu já tinha criado o fórum de debates da Associação Ferroviária Trilhos do Rio, onde eu e muitos amigos que conheci pela internet e outros fóruns de debate, pesquisávamos arduamente sobre os mistérios fer-roviários do passado e outras informações e notícias atuais. Tive a ideia de digitalizar e publicar na internet livros e ma-pas antigos, livres de direitos autorais pelo tempo decorrido, e Luís Octávio tinha uma quantidade considerável de pu-blicações. Lembro-me que ele tinha uma bíblia da década de 1940 em latim, se não me engano. E não achei que fosse tão simples um empréstimo, mas ele se prontificou em me disponibilizar o que eu quisesse, mesmo sendo raras publi-cações. Ele assim contribuiu, mais uma vez, para o engrandecimento do nosso fórum, que ficou conhecido pelo alto nível de debate e pesquisa, com dados e descobertas que até hoje poucos sites na internet tem. Algumas informações e fotos, aliás, só nós temos até hoje. E assim o fórum ultrapassou os seus limites virtuais, começamos a marcar encon-tros, reuniões e expedições (eu já fazia desde 2009, e depois descobri que tinha outros “doidos” que costumavam fazer tais pesquisas), e com o crescimento e fortalecimento do movimento, formalizamos o grupo em 2014, fundando a ONG AFTR, a qual sou presidente. Luís Octávio não esteve na fundação, mas muito colaborou para o nosso crescimento.
Outros “causos” do Luís Octávio foram ao mesmo tempo engraçados e tensos. Assim como a ocasião em que ficou incomunicável por vários dias (pra contribuir com isso, ele só foi ter um aparelho “celular” há pouco tempo, mas que perdia toda hora), certa vez ele precisou se internar para uma cirurgia. Algo que causou temor, pois ele já tinha idade de certa forma avançada, mas inquieto como sempre, não ficava parado. Toda a comunidade ferroviarista ficou apreen-siva, e no dia da cirurgia, nos mantínhamos em contato o tempo todo para saber de notícias. Graças a Deus correu tudo bem, sendo liberada a visita já no outro dia. Enquanto muitos se programavam para visita-lo, algumas pessoas já haviam ido ao hospital e ... ele não estava lá. Preocupados com o seu paradeiro, ficamos sabendo que ele havia se cansado de ficar parado no hospital e “se deu alta”, indo pra casa.
Em outra ocasião ele me contou que estava caminhando sozinho pelo leito extinto da Estrada de Ferro Mauá, sua gran-de paixão e projeto de vida não realizado infelizmente por motivos escusos. Esse trecho eu andei quatro vezes, sendo marcante a primeira vez, quando percorri sozinho os 14 kms da ferrovia e gravei um vídeo que me deixou de certa for-ma conhecido, tanto pela aventura quanto pela loucura. Mas voltando, Luís Octávio me contou que estava caminhando pelo trecho quando, ao querer examinar um trilho fincado na mata, pisou num atoleiro e começou a afundar. Quanto mais esforço fazia, mais afundava. Até que conseguiu se firmar e sair da lama, sujo até quase a cintura e descalço ! Os dois sapatos ficaram dentro da lama ! E assim ele foi embora pra casa, sujo até a cintura e sem calçados ...
Luís Octávio costumava nadar, caminhar e correr na Praia do Leblon, bairro onde morava. Inclusive ele justificava sem-pre que pessoas de outros estados falavam que “no Rio de Janeiro a preservação ferroviária não funcionava porque tinha praia”, ou seja, com maneiras de se divertir e se distrair. A resposta dele era essa, que sim, o motivo devia ser esse, pois ele mesmo fazia isso todos os dias. E em uma ocasião, Luís Octávio foi me visitar no meu serviço, uma pet-shop no mesmo bairro, sem camisa e de sunga ! Alguém que estava comigo olhou pela vitrine da loja e me perguntou se eu o conhecia. Disse que sim e pedi um minuto, para que eu fosse falar com ele lá fora, antes que ele entrasse na loja, o que não seria difícil. Quando fui falar com ele, ele me disse “Olha aí, o coroa ainda dá um caldo, não é não ?”. Esse dia foi muito engraçado ...
Outra vez ele apareceu no meu serviço, já de noite, porque desceu no ponto de ônibus errado, segundo ele. Ele carre-gava uma caixinha, perguntei o que era: um clarinete. Ele começou a montar e disse que ía tocar, mesmo comigo di-zendo que não precisava, pois tinha cliente na loja e eu estava fechando o caixa. A primeira música que ele tocou foi o hino do Flamengo, seu time do coração. Eu falei que aquela música não valia, aí ele disse que se eu torcesse pro Vas-co da Gama, iria tocar o hino do Vasco. Eu não costumo mais torcer por futebol, aí não disse nada, esperando o hino. Quando ele começou a tocar, todo mundo caiu na gargalhada: era a marcha fúnebre ! Muito figura !
No ano de 2014 organizarmos mais uma expedição para descer a Serra da Estrela, por onde a Estrada de ferro Prínci-pe do Grão-Pará possuía trilhos que davam acesso ferroviário à cidade de Petrópolis. Só que neste dia coincidente-mente estava tendo uma ocupação policial no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, e consequentemente uma fuga dos bandidos destas comunidades para outros locais. Petrópolis era um dois locais visados pelos bandidos para se esconderem, e por isso foi deslocado um grande aparato policial para tentar impedir este deslocamento. Nós não sabí-amos desta operação no mesmo dia, e seguimos o nosso caminho normalmente. Após desembarcarmos do trem em Saracuruna, pegamos um ônibus para subir a serra em direção a Petrópolis. Luis Octávio estava sentado ao meu lado e, dentre os amigos que fariam a caminhada junto conosco, alguns portavam tripés de câmeras (que poderiam ser con-fundidos com armas), facões e outros instrumentos para auxiliar na descida em algum trecho de mata. Em determinado momento o ônibus parou bruscamente no meio da Serra: era uma blitz policial. Silêncio total dentro do ônibus enquanto os policiais revistavam todos. Silêncio total não: Luis Octávio era o único que falava aos berros, criticando o governador do estado, os prefeitos de diversas cidades, vários políticos, e eu cutucando pra ele ficar quieto. Acabou tudo bem, pois os policias identificaram que quase todos no ônibus seguiriam para o mesmo destino e objetivo, fazendo parte do grupo da AF Trilhos do Rio. Mas aquele episódio ficou marcado pela total falta de censura do Luís Octávio, não importava em que ocasião, se dentro de um ônibus, no Centro de Controle de tráfego de trens ou se na Assembleia Legislativa, se ele queria falar falava mesmo, não tinha restrição e problema algum nisso, apenas certo controle.
A primeira ferrovia do Brasil foi inaugurada em 1854 e desativada parcialmente em 1962 e em 1982, restando em tráfe-go apenas o trecho entre Piabetá e Vila Inhomirim. Por várias décadas, Luís Octávio e Associações por onde passou e liderou, lutaram pela reativação desta que é o marco do progresso do país, criminosamente renegada pelas autorida-des governamentais. Todo ano havia celebrações no dia 30 de abril, data que marca a sua inauguração, mas nada de concreto era realizado, apesar das diversas tentativas, projetos e negociações. Luís Octávio estava presente em todos os eventos. E lutava pessoalmente também pela preservação da estação Guia de Pacobaíba, a primeira do Brasil. Em 06 de abril de 2012 foi transmitido pela TV Globo o programa Globo Repórter, com o tema “Ferrovias”. Evidentemente, Luís Octávio teria que estar neste programa especial, e em rede nacional, na estação e ferrovia que ele tanto lutou pra preservar e reativar, deu o emocionado depoimento às câmeras:
“Ainda digo mais: se um dia essa Estrada de Ferro reativar, eu não faço mais questão de viver.”
O repórter pergunta o motivo, e ele completa:
“Cumpri meu objetivo. Meu sonho é ver essa linha funcionar ...”
Neste palco tão querido por ele, também ocorreram episódios curiosos: certa vez houve um aumento descontrolado da população de formigas na área próxima a estação, que começaram a fazer ninhos no prédio, ameaçando a sua estrutu-ra. Várias pessoas e instituições pediram socorro aos responsáveis pela manutenção da estação, mas por burocracia as medidas não eram tomadas, demoraram muito. Eis que Luís Octávio surge com a solução: comprou três pacotes de formicida e usou nos ninhos, resolvendo parcialmente o problema. Mas teve um efeito colateral, que ele me contou de-pois: ficou com a boca dormente por três dias, pois como não conseguia abrir os pacotes de veneno com as mãos, mordeu e abriu com os dentes !
Por algum tempo foram organizadas reuniões visando a troca de informações e busca por soluções no meio ferroviário e de preservação, em um órgão federal teoricamente responsável por manter o patrimônio em todo o país. Vendo a morosidade e burocracia dos órgãos envolvidos, por algumas vezes Luís Octávio perdeu a paciência, seja por querer a palavra e não conseguir, seja por ver que todos falavam muito mas nada de concreto faziam. Uma das frases mais di-tas por ele nestas ocasiões, e que tornou-se marcante, era “Ok, ok. Tudo certo, nada resolvido”. Algumas vezes ele também dizia a clássica frase “Pois é, agora só nos resta o suicídio”, referindo-se a incapacidade de essas entidades realizarem alguma coisa de prática no assunto. Estas são só amostras do repertório de frases imortalizadas por ele.
Quando formalizamos a AF Trilhos do Rio e organizamos a nossa sede em Piedade, fizemos questão de criar um prê-mio, uma espécie de honra ao mérito e causa ferroviária, e obviamente o primeiro escolhido era o Luís Octávio. Infeliz-mente precisamos adiar a celebração que estava marcada para o fim de 2015 (eu necessitei passar por uma cirurgia), mas em 30 de junho de 2016 a realizamos. Luís Octávio fez questão de oferecer a premiação a todos os fundadores e representantes da AFPF (Associação Fluminense de Preservação Ferroviária, associação fundada por ele em 30 de abril de 1999), em uma prova de humildade, consciência e consideração com todos que junto com ele empreenderam esta luta árdua e por vezes ingrata pela preservação histórico-ferroviária do estado do Rio de Janeiro. Foi uma tarde muito feliz, a mais bela de todas na nossa sede, realmente inesquecível.
Foi mais ou menos após este período que notamos Luís Octávio desanimado. Ainda lutador e disposto, mas parecia triste. Realmente não era pra menos, quanto mais ele lutava, mais as coisas não seguiam adiante, sempre por motivos alheios e nunca por falta de luta e determinação dele. Minha esposa, que faleceu no último dia de 2016, me disse uma vez que não queria que eu fosse uma pessoa frustrada como o Luís Octávio. Na hora fiquei chateado com ela, mas ela me explicou que disse “uma pessoa frustrada”, não “uma pessoa fracassada”. E completou, dizendo que “a luta do Luís Octávio vai render frutos, mais cedo ou mais tarde, estando ele aqui ou não. Mas a luta dele é muitas vezes ingrata, triste e sacrificante, não queria isso pra você”. Mas estamos juntos nessa, hoje não temos a presença da minha esposa e nem a do Mestre, mas de algum lugar eles estão nos acompanhando e auxiliando, tenho certeza.
Uma das suas frustações foi ter uma vez o acesso negado à cabine de sinalização de Saracuruna, a mais antiga pre-servada no país. Por falta de comunicação e outros documentos, não pudemos acessar o local, onde pretendemos jun-to com outras instituições, restaurar e revitalizar o espaço. Nem nesse revés, Luís Octávio perdia o seu bom humor: enquanto esperávamos o próximo trem para irmos embora, começou a chover forte. Sugeri que fôssemos para a plata-forma, e entrássemos no trem, mesmo que ele não fosse sair naquela hora. E assim fizemos. Passados alguns minu-tos, Luís Octávio levanta e diz que precisava ir ao banheiro. Comentei com ele que ficava longe e poderia perder o trem. Chovia tanto que havia poças dentro da composição. Ele simplesmente nos disse “vou fazer na plataforma mes-mo” e assim foi. Ficamos espantadíssimos com a sua desenvoltura nessas situações: simplesmente caminhou até uma pilastra (de um palmo de largura !) e começou a urinar ali mesmo. Nós só víamos o esguicho. Até que no outro carro do trem, uma mulher que estava com algumas crianças gritou “Minha nossa, o senhorzinho está urinando na plataforma !”. Não aguentamos e caímos na gargalhada, ainda assustados com a situação. Luís Octávio ainda ficou coletando água da chuva para beber e depois ainda nos disse, com a maior naturalidade “Me aliviei e olha, ainda lavei as mãos !”.
No domingo, dia 09 de abril de 2017, estivemos em Miguel Pereira para uma visita técnica no trecho preservado pela AFPF, hoje mantido por outra instituição que implantou um Trem Turístico, e no trecho atualmente operado pela AFPF, após a estação de Miguel Pereira. Ajudamos no que pudemos, retirando terra que soterravam os trilhos, pedindo para motoristas tirarem os carros estacionados sobre a linha, e prestigiando o trabalho. Ninguém sabia, mas essa seria a última viagem de Luís Octávio ao local. Na volta, lembro bem que fizemos um lanche, ele comeu um folheado e um co-pão de leite. Descemos a serra lado a lado no ônibus. Como agradeço por aqueles momentos, eu fui filmando as inú-meras curvas da rodovia para a produção de um vídeo, mas mudei de intenção e será feita uma homenagem ao Mestre usando estas imagens. Em Japeri, ele nos contou que em um estabelecimento local vendiam um Açaí incrível e barato. Fomos até este local, mas chegando lá, não tinha o tal açaí, apenas sorvete. Luís Octávio comprou um em uma emba-lagem redonda, estilo de margarina. Nesse meio tempo estávamos preocupados com o horário do trem, e assim que conseguimos consultar os horários pela internet, demos um pulo: o próximo trem saía em 12 minutos. Falamos com o Luís Octávio, que estava sentado em um banco (na verdade e coincidentemente, um dormente ferroviário), e saímos em disparada. Notamos uma respiração ofegante dele, paramos e perguntamos, mas ele disse que estava tudo bem. Subimos a rampa da passarela que dá acesso a estação e olhamos pra trás ... cadê o Luís Octávio ? Voltamos e nos deparamos com uma cena daquelas: ele estava urinando num cantinho, dentro do pote de sorvete. Olhei para o outro membro da AFTR e exclamei “não acredito nisso, vamos esperar mais à frente”, e nisso havia gente descendo, poden-do dar de frente com a cena como nós. Mas não houve escândalos. Logo veio o Luís Octávio, mas nada comentamos. Subimos a passarela e conseguimos embarcar no trem. Dentro deste, ele nos fala:
“Desculpe, quase nos atrasei. Mas é que eu estava apertado, aí como não podia fazer xixi na rua, fiz dentro do potinho de sorvete e joguei na lixeira. Assim ninguém pode me multar ! Dito isso, só nos resta o suicídio.”
Ao chegar a estação de Austin, o membro da AFTR se despediu de nós e eu disse rindo, após ele apertar a mão do Luís Octávio, que ele não havia lavado as mãos dessa vez. E aí o Luís Octávio sentou-se ao meu lado e conversamos muito. Ele me perguntou se eu conhecia uma loja no subsolo da estação Central do Brasil, que vendia um trenzinho de brinquedo, que poderia ser oferecido como brinde aos associados da AFTR. Eu não conhecia, mas prometi passar lá quando pudesse, pois nesse dia eu iria direto de ônibus para casa, estava atrasado. Juntos pegamos o mesmo ônibus e assim cada um foi para suas residências. Dois dias depois, ele apareceu no meu serviço (ele sempre fazia isso, seja para me trazer alguma matéria sobre ferrovias, sobre cães, ou um mapa que ele enviou via Correios, mas que levou dezesseis dias para chegar a mim, e moramos no mesmo bairro !) e surpresa: me trouxe o trenzinho que falou. Me en-tregou, para oferecer como brinde aos associados. Pra mim, aquilo foi um presente. Sem ele ver, fiz duas fotos dele, as últimas em vida, provavelmente. Ele estava bem, conversamos um bocado, ele montou o trem em cima do balcão da loja, agradeci e depois ele se despediu normalmente. Foi a última visita dele ... uma verdadeira despedida.
Dois dias depois vi a mensagem no celular. Não acreditei, e ainda questionei, pensando que o dono do celular que en-viou a mensagem tivesse sido roubado ou que o telefone tivesse sido clonado. Mas não, infelizmente era verdade, esse dia chovia muito na hora, e acredito que todos os ferroviários já falecidos estavam tristes nos Céus pela perda incalcu-lável. Ao mesmo tempo, Luís Octávio deve ter sido muito bem recebido pelo Barão de Mauá (Irineuzinho, como o cha-mava), Ottoni, Paulo de Frontin e demais gigantes das ferrovias. Não deve ter conseguido o que disse alguns dias atrás em Miguel Pereira, infelizmente:
“Quando eu partir e chegar no Céu, São Pedro no seu computador, porque lá também deve estar tudo evoluído e co-nectado sem fio, vai procurar o meu nome e me perguntar se cumpri minha missão. Vou pedir pra voltar pro mundo e justificar: não consegui cumprir minha missão porque os CAGALHÕES não deixaram !”
O mundo perdeu mais um gigante, um mito, o Mestre. Neste dia ele embarcou em uma ferrovia, nos deixando em ou-tra. Ele na Estrada de Ferro Eternidade, e nós na Estrada de Ferro Saudade.
Abaixo algumas das lendárias frases ditas pelo Mestre Luís Octávio. Que descanse em paz. Obrigado por tudo !
“Quem tem dois, tem um. Quem tem um não tem nenhum”
“Quando eu disser que um mais um dá três, vocês têm que acreditar porque normalmente estou certo”
“Da próxima vez vocês ouçam esse branquinho aqui” (apontando pro cabelo grisalho)
“Só nos resta o suicídio”
“Tenho a solução para reativar a Estrada de Ferro Mauá: sequestra o filho do presidente, pede a reativação como resgate. Rapidinho a ferrovia volta a funcionar”
“O motivo para nada evoluir nesse país é um só: CAGALHÕES ! Enquanto cagalhões existirem, nada vai pra frente”






Cerveja Mauá

Prezadas/os

Dia 30/04 a 1ª ferrovia do Brasil comemora 163 anos da sua inauguração..

Nenhum de nós esteve lá ou participou desse pioneiro evento....

Mas agora vc tem a oportunidade de participar de um outro grande lançamento associado ao nome do Barão de Mauá. 

quinta-feira, 13 de abril de 2017

Convite ABPF


ANTP - Mobilidade e Conjuntura 177 – 15/02/2017 - EDITORIAL



Cidades e soluções

Nas típicas cidades americanas, onde a maioria das pessoas, além de possuir seus próprios carros, sofre da irresistível tentação de dirigi-los todo o tempo, se você quiser fazê-las caminhar será preciso, antes de qualquer coisa, convencê-las de que andar a pé é tão bom ou melhor que dirigir. Significa, sendo mais claro, que você precisa oferecer a elas, simultaneamente, quatro bons argumentos para isso: (1) há uma razão adequada para caminhar, (2) caminhar é seguro e te faz se sentir em segurança, (3) caminhar é confortável e (4) caminhar é interessante. (Jeff Speck, urbanista)
Nada impacta mais o sistema de transporte público coletivo que a distribuição caótica e sem qualquer planejamento das cidades. A má distribuição das habitações pelo tecido urbano, que empurra as populações de menor poder aquisitivo para cada vez mais longe dos locais de emprego é um dos exemplos cruéis e emblemáticos das consequências produzidas por essa anarquia. Obrigados a percorrer longos trechos para alcançar não apenas o trabalho, como muitos dos serviços públicos essenciais, como saúde e educação, as classes de menor renda sofrem uma penalização adicional: menos tempo com a família, menor proteção social, maior desgaste físico e mental, situações que tornam a vida nas cidades um tormento crescente.
A produção de bairros-dormitórios em formato de guetos é o retrato nu e cru de um "benefício" produzido por governos sob a única interpretação de que se atua para diminuir o déficit habitacional. Não bastasse isso, a má qualidade das unidades produzidas pelo principal programa governamental, "Minha Casa, Minha Vida" (voltado a famílias que ganham até 1.800 reais), chega a ser uma espécie de castigo adicional às populações de menor renda nas metrópoles: perto de 50% das unidades produzidas entre 2011 e 2014 apresentaram problemas construtivos; 10% com falhas graves, que comprometem as condições de uso e segurança (matéria do "Estadão"). Uma verdade inconveniente, como lembra a urbanista Raquel Rolnik: "o Estado destruiu qualquer política de moradia que não fosse o fomento à compra da casa própria". Política de moradia entenda-se como políticas urbanas de inclusão na cidade, e não o oposto.
Dizia-se num passado não muito distante que "quem casa, quer casa". Este e outros provérbios prevaleceram por muitos anos no imaginário popular, nos tempos em que o fenômeno da urbanização ainda não era o gigantesco problema que temos hoje. Nos anos 80 um entusiasmado governador, ao entregar as chaves de uma casa popular a uma família de baixa renda, disse que essa era a maior conquista que se podia ter: "agora vocês poderão dizer que da porta para dentro tudo é de vocês, do chão ao teto, de parede a parede". Olhando ao redor podia-se ver que ali havia apenas casas, muitas casas, distantes de creches, unidades de saúde, escolas de ensino fundamental. Como lembra Rolnik, os mais pobres passaram a ter acesso a empréstimos bancários que garantiam a entrada deles no mercado imobiliário, mas ao mesmo tempo sofreram sua quase expulsão da vida na cidade.
O arquiteto Washington Fajardo já alertava, em julho de 2017, em artigo no jornal O Globo, que o programa "Minha Casa Minha Vida" era "um programa de estímulo econômico, com foco em médias e pequenas empreiteiras, que têm como um produto a moradia; em geral, longe dos centros urbanos, onde a terra é barata. É realizado sem nenhuma qualidade espacial, mantendo longas jornadas de viagem até o trabalho, replicando a exclusão por gerações".
Com a crise econômica recente um novo problema se juntou aos anteriores: a inadimplência nos programas habitacionais, que hoje atinge a marca de 28% em cidades como Rio, São Paulo, BH, Salvador, Fortaleza e Baixada Santista.
Dentre os custos que impactam e colaboram fortemente para a inadimplência estão os custos dos transportes, "devido à localização periférica e precariedade da infraestrutura urbana, reduzindo a renda disponível para pagar pela habitação", segundo informa Claudia Magalhães Eloy, doutora em urbanismo, em artigo no Valor Econômico.
Ana lembra que a definição do valor das prestações "ignora quesitos importantes - renda per capita, vulnerabilidade social e custo de vida da região - produzindo ineficiências com a cobrança de prestações aquém do que a família pode realmente pagar, desperdiçando escassos recursos públicos, e injustiças pela cobrança de valores que outras famílias, de fato, não dispõem".
O descompasso existente entre os entes federativos coloca sempre o município na ponta da corda. Vítima das principais consequências de políticas macroeconômicas ditadas pela União, as cidades têm sofrido continuadamente graças aos equívocos cometidos por muitos dos programas federais e estaduais. Como exemplo recente tem-se as políticas de incentivo à compra de automóveis, que entupiram ruas e avenidas trazendo em seu bojo resultados perigosos não somente para a saúde pública e a questão ambiental, como para a redução dos já exíguos espaços públicos, transformando-os em meros espaços de "passagem". Os programas habitacionais produziram estrago similar, ao pressionar os custos dos transportes e tornar a gestão das cidades cada vez mais improváveis e caras. Como lembra Fajardo, "será com o acesso à cidade e seus benefícios, acesso à diversidade, ao capital humano, ao conhecimento, à cultura e aos serviços públicos, ao atrito que forja a urbanidade, que poderemos romper o círculo que gera e regenera o abismo social".
Se os prefeitos não começarem a questionar as políticas federais, invertendo o jogo político, as cidades se tornarão cada vez mais ingovernáveis. E com a crescente urbanização não haverá possibilidade de retorno: o inchaço produzirá despesas crescentes, impactando os cofres municipais a tal ponto que não restará verba suficiente nem mesmo para as mínimas ações de zeladoria. Atrair o poder privado, com ações criativas e momentâneas, pode ser um paliativo, mas jamais será uma solução, antes pelo contrário. A corda continuará a ser esticada, e o cidadão continuará a ser tratado como vítima de um problema do qual desconhece as origens.
Como ações mitigadoras e ao mesmo tempo promotoras da participação do cidadão na recuperação de sua cidade há muito que fazer. Recuperar espaços públicos dedicando-os à convivência urbana; investir em modos não poluentes e não motorizados, criando redes de transporte permeáveis; focar prioritariamente nas populações mais vulneráveis (uma cidade boa para portadores de deficiências e crianças será sempre uma cidade mais humana), estes são apenas alguns exemplos de ações que exigem dos gestores não apenas atitude, como diálogo permanente com a sociedade. Um prefeito ousado pode começar olhando para as escolas e seus bairros. E irá perceber uma realidade reveladora: quantas de suas crianças já foram a pé para a escola? Quantas possuem bicicleta? As respostas a essas perguntas simples irão revelar uma cidade doente, que só irá se recuperar se a maioria das pessoas for envolvida nas soluções, num movimento democrático de baixo para cima, e não autocrático e paternalista de cima para baixo.
As mudanças políticas, invertendo as prioridades e focando nos municípios, estas virão como decorrência natural, fruto da vontade coletiva por uma cidade melhor e para todos. No entanto, é preciso começar o quanto antes.