segunda-feira, 5 de junho de 2017

MP cobra R$ 3 bi por fraudes na linha 4 do Metrô e acusa Cabral, Júlio Lopes e empreiteiras da Lava-Jato



Processo contra 30 réus aponta que fraude na obra teve grande peso na crise financeira do Estado
   
O GLOBO - POR CHICO OTAVIO E DANIEL BIASETTO - 03/05/2017

RIO - A Odebrecht criou um atalho para driblar a lei e assumir a construção da Linha 4 do Metrô do Rio sem disputar licitação. A manobra, que consistiu em comprar a participação de uma empresa no consórcio construtor, o Rio Barra, pouco mais de dois meses antes do início das obras, é uma das principais acusações da ação civil pública movida pelo Ministério Público do Estado do Rio contra 30 réus envolvidos na fraude, entre os quais o ex-governador Sérgio Cabral, o ex-secretário de Transportes Júlio Lopes e empreiteiras que participaram do consórcio.

A Odebrecht entrou no consórcio 11 anos após a licitação da obra, feita em 1998, na gestão Marcello Alencar. De acordo com a ação civil, o governo do estado, em vez de abrir uma novo processo licitatório, já que as obras estavam paradas há mais de uma década, permitiu que a empreiteira participasse da construção da Linha 4 após pagar R$ 11 milhões para participar no lugar da Constran S/A, um das três integrantes do consórcio original, ao lado da Queiróz Galvão e Trans Sistemas de Transportes S/A.

Em delação premiada, o vice-presidente da Odebrecht Benedicto Júnior contou que além de comprar a participação da Constran S.A. no consórcio vencedor da obra, por R$ 11 milhões, também foi obrigado a pagar propina ao ex-governador e para o ex-secretário estadual.

A ação pede ainda o ressarcimento do prejuízo aos acusados no valor de R$ 3,17 bilhões, além da condenação dos responsáveis pelos atos de improbidade por ilegalidades contidas e geradas pelos termos aditivos adicionados aos contratos e reparação por danos morais coletivos.

O primeiro termo aditivo dos quatro que a obras sofreu ocorreu em fevereiro de 2010, ano eleitoral, dois meses depois da troca de empresas que formavam a Concessionária Rio Barra S/A.

Os promotores identificaram problemas na mudança de traçado, na metodologia de escavação e na antecipação dos pagamentos. Também sustentam que o governo estadual aumentou o aporte de recursos, inicialmente previsto para 43% do total da obra, para 89%.

Também foi verificada nova antecipação de valores pelo Estado para compra do equipamento conhecido como "Tatuzão" e ficou registrado, por fim, sobrepreço de 675% no valor inicial da obra, aumentando o custo para o erário em quase 8 vezes, passando de R$ 1,19 bilhão na contratação original em 1998 para R$ 9,2 bilhões, em 2011.

Além de Cabral e Lopes, estão na mira do MP-RJ o ex-secretário de Transportes e deputado estadual Carlos Osorio (PSDB-RJ), o diretor da RioTrilhos, Heitor Lopes de Sousa Junior, e o subsecretário de Turismo, Luiz Carlos Velloso (ex-subsecretário estadual de Transportes na gestão de Sérgio Cabral), esses dois últimos presos no âmbito da operação “Tolypeutes", desdobramento da Lava-Jato no Rio.

- Ao lado do sentimento de revolta - muitas vezes manifestado através das multidões, ganhando as ruas no entorno da Alerj - também a repercussão criminal dos fatos associados à construção da Linha 4 demonstra, por um lado, o alto grau de reprovação social. Isso evidencia a necessidade de condenação dotada de caráter punitivo-pedagógico, para que condutas semelhantes não venham a se repetir no futuro - afirma na ação a promotora Liana Barros Cardozo.

A ação pede ainda o ressarcimento do prejuízo aos acusados no valor de R$ 3,17 bilhões, além da condenação dos responsáveis pelos atos de improbidade por ilegalidades contidas e geradas pelos termos aditivos adicionados aos contratos e reparação por danos morais coletivos.

A condenação por improbidade pode resultar na perda de bens obtidos ilicitamente, ressarcimento dos danos materiais, perda da função pública, 8 a 10 anos de suspensão de direitos. Na ação, os promotores pedem ainda, em caráter liminar, o bloqueio dos bens dos réus, o compartilhamento de provas produzidas pela Lava-Jato e a glosa dos valores ainda não pagos.

"A maior crise já vivenciada pelo Estado não teria o vulto atual sem os gastos da Linha 4, sendo reflexo direto dos fatos retratados nesta petição inicial e em outros efeitos - referentes a isenções fiscais ilegítimas, obras do Arco Metropolitano e do Maracanã - deflagrados em face do ex-governador, hoje preso preventivamente, e de colaboradores diretos", sustentam os promotores responsáveis pela ação.

O Ministério Público também menciona relatório técnico do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ) para individualizar as inúmeras irregularidades cometidas no planejamento, gestão e execução do contrato da Linha 4 do metrô, durante março de 2010 a outubro de 2015.

O ex-governador é responsabilizado, ao lado do deputado federal Júlio Lopes (PP-RJ), por três dos quatro aditivos sofridos pela obra e que são alvos do processo. o quarto aditivo está na conta de Luiz Fernando Pezão e Carlos Osório (ex-secretário de obras).

A prisão do diretor da RioTrilhos, Heitor Lopes de Sousa Junior, e do subsecretário de Turismo, Luiz Carlos Velloso (ex-subsecretário estadual de Transportes na gestão de Sérgio Cabral), acabou por trazer à tona o nome do ex-secretário de Transportes Júlio Lopes ao escândalo. O GLOBO revelou que ele já é alvo de um inquérito aberto pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot no Supremo Tribunal Federal (STF).

Duas delações de executivos da Odebrecht apontam para o recebimento de propina por parte do deputado carioca. O diretor de contratos Marcos Vidigal contou à força-tarefa que Lopes pediu a participação de 0,5% sobre o valor total dos três trechos das obras da Linha 4 (Trecho Oeste, Trecho Sul e General Osório). Segundo o delator, Lopes recebeu R$ 4 milhões de 2010 a 2014.

Quando comemorou o início das obras da Linha 4 do Metrô, em janeiro de 2010, Cabral afirmou que não queria um solução fácil de engenharia, e sim um traçado que fosse atrás do consumidor. E estimou o custo total da empreitada em R$ 4 bilhões. Os recursos viriam da União, da concessionária prestadora do serviço, de empréstimos e do próprio Estado. Sete anos depois, os gastos com com a nova linha mais que dobraram.

Em seu depoimento à força-tarefa do Ministério Público Federal, o vice-presidente da Odebrecht Benedicto Júnior explica como o ex-governador influenciou e ajudou a articular o ingresso da empreiteira no consórcio.

Após a escolha da cidade como sede dos Jogos Olímpicos, em 2009, a Odebrecht jogou pesado para integrar o consórcio responsável pela construção do trecho que ligaria a Zona Sul à Barra da Tijuca, que ficar apenas no papel desde 1998 e foi reativado por conta dos eventos como a Copa de 2014 e a Olimpíada em. Para isso, a empreiteira comprou a participação de uma das empresas do grupo Queiróz Galvão - Constran S/A - por R$ 11 milhões e passou a exercer a preferência do contrato, depois de pedir para que o ex-governador intercedesse a favor da empreiteira.

Em sua delação , Benedicto diz que Cabral embolsou R$ 50,5 milhões em propina pagas por meio de caixa dois durante a implantação do projeto da Linha 4 e por diversas vezes o pressionou para discutir pagamento de 5% dos valores.

O executivo revelou ainda que, no meio da execução da obra, as construtoras que participavam do consórcio — Odebrecht, Queiroz Galvão e Carioca Engenharia — foram chamadas por Cabral. O ex-governador teria solicitado a inclusão no grupo de mais três empreiteiras: Andrade Gutierrez, OAS e Delta.

Benedicto Júnior afirmou que OAS e Andrade Gutierrez seriam bem-vindas, uma vez que a primeira era dona da concessionária Metrô Rio e a segunda é uma das empresas brasileiras com maior experiência em obras de metrô. No entanto, o consórcio resistiu à inclusão da Delta.

As obras foram iniciadas em março de 2010, pelo Trecho Oeste, enquanto que as obras do Trecho Sul só foram iniciadas em outubro de 2012. A previsão inicial de conclusão das obras e a entrada em operação da Linha 4 era o mês de junho de 2016, porém apenas a ligação entre a Barra (Jardim Oceânico) e Ipanema (Estação General Osório) entrou em operação nesta data. Atualmente a Estação Gávea tem previsão para estar concluída em janeiro de 2018 (segundo o termo aditivo nº 4). Um inquérito civil apura apura a paralisação da obra.

O MPF ressalta ainda que os consórcios, mesmo diante da situação financeira "sabidamente calamitosa", não atentaram para o aviso do TCE-RJ já em 2009, e seguiram gastando mais e mais com a construção do metrô, quando o investimento teria que ser direcionado para outras áreas.

"Assinando os Termos Aditivos a despeito da falta de Projeto Básico, coleta crível de preços atuais, estudo de viabilidade econômica e técnica e, em última análise de uma nova licitação, os réus contribuíram para o agravamento da situação financeira do Estado, fazendo com que uma conjuntura desfavorável se transformasse na maior crise da história do Rio", afirma a promotora Liana Barros Cardozo.

A Linha 4 do metrô já foi identificada pela força-tarefa da Operação Lava-Jato no Rio como fonte de propina para alimentar o suposto esquema de corrupção comandado por Cabral no estado. As revelações foram feitas por executivos das construtoras Andrade Gutierrez e Carioca Engenharia, que firmaram seus acordos de colaboração antes dos funcionários da Odebrecht.

Na semana passada, O GLOBO mostrou que, antes mesmo da publicação dos editais de licitação para grandes obras urbanas no Rio de Janeiro, o então governador Sérgio Cabral definia pessoalmente a quantidade de lotes, os consórcios que ficariam com cada um, os percentuais de participação das empresas e quem seria a líder da empreitada.

No caso da linha 4 do Metrô do Rio, o projeto havia começado em 1998. Cabral não podia, portanto, definir a licitação, mas cobrou pagamentos para atender a um pedido de Benedicto. Pelas planilhas apresentadas por Benedicto, o Arco Metropolitano, o PAC das Favelas e o metrô da linha 4 renderam a Cabral pagamentos da ordem de R$ 68,6 milhões.

Antes desses três projetos, a Odebrecht já tinha repassado R$ 15 milhões para Cabral: R$ 3 milhões na época da campanha, em 2006, e R$ 12 milhões no início do mandato, após o governador eleito pedir dinheiro para cobrir dívidas. Mas, de 2007 a 2014, o total identificado por Benedicto para Cabral chega a R$ 94 milhões, associados a diversas obras, como o Maracanã.

Em novembro do ano passado, o plenário do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ) reprovou as contas das obras da Linha 4 do Metrô após auditoria realizada pelo corpo técnico da casa concluir que a obra trouxe prejuízo de R$ 2,3 bilhões aos cofres públicos.

Por unanimidade, os conselheiros do TCE, aprovaram o voto do relator José Gomes Graciosa para determinar que estado e empreiteiras apresentem defesa ou devolvam R$ 1.297 bi aos cofres públicos, por irregularidades como obras previstas mas não executadas, serviços em desconformidade com as especificações contratadas e quantidade executada superior à necessidade. As empreiteiras também terão que apresentar defesa sobre R$ 1.193 bi em sobrepreço nos contratos.

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