Processo contra 30 réus aponta que fraude na obra teve grande peso na crise financeira do Estado
O GLOBO - POR CHICO OTAVIO E DANIEL BIASETTO - 03/05/2017
RIO
- A Odebrecht criou um atalho para driblar a lei e assumir a construção
da Linha 4 do Metrô do Rio sem disputar licitação. A manobra, que
consistiu em comprar a participação de uma empresa no consórcio
construtor, o Rio Barra, pouco mais de dois meses antes do início das
obras, é uma das principais acusações da ação civil pública movida pelo
Ministério Público do Estado do Rio contra 30 réus envolvidos na fraude,
entre os quais o ex-governador Sérgio Cabral, o ex-secretário de
Transportes Júlio Lopes e empreiteiras que participaram do consórcio.
A
Odebrecht entrou no consórcio 11 anos após a licitação da obra, feita
em 1998, na gestão Marcello Alencar. De acordo com a ação civil, o
governo do estado, em vez de abrir uma novo processo licitatório, já que
as obras estavam paradas há mais de uma década, permitiu que a
empreiteira participasse da construção da Linha 4 após pagar R$ 11
milhões para participar no lugar da Constran S/A, um das três
integrantes do consórcio original, ao lado da Queiróz Galvão e Trans
Sistemas de Transportes S/A.
Em
delação premiada, o vice-presidente da Odebrecht Benedicto Júnior
contou que além de comprar a participação da Constran S.A. no consórcio
vencedor da obra, por R$ 11 milhões, também foi obrigado a pagar propina
ao ex-governador e para o ex-secretário estadual.
A
ação pede ainda o ressarcimento do prejuízo aos acusados no valor de R$
3,17 bilhões, além da condenação dos responsáveis pelos atos de
improbidade por ilegalidades contidas e geradas pelos termos aditivos
adicionados aos contratos e reparação por danos morais coletivos.
O
primeiro termo aditivo dos quatro que a obras sofreu ocorreu em
fevereiro de 2010, ano eleitoral, dois meses depois da troca de empresas
que formavam a Concessionária Rio Barra S/A.
Os
promotores identificaram problemas na mudança de traçado, na
metodologia de escavação e na antecipação dos pagamentos. Também
sustentam que o governo estadual aumentou o aporte de recursos,
inicialmente previsto para 43% do total da obra, para 89%.
Também
foi verificada nova antecipação de valores pelo Estado para compra do
equipamento conhecido como "Tatuzão" e ficou registrado, por fim,
sobrepreço de 675% no valor inicial da obra, aumentando o custo para o
erário em quase 8 vezes, passando de R$ 1,19 bilhão na contratação
original em 1998 para R$ 9,2 bilhões, em 2011.
Além
de Cabral e Lopes, estão na mira do MP-RJ o ex-secretário de
Transportes e deputado estadual Carlos Osorio (PSDB-RJ), o diretor da
RioTrilhos, Heitor Lopes de Sousa Junior, e o subsecretário de Turismo,
Luiz Carlos Velloso (ex-subsecretário estadual de Transportes na gestão
de Sérgio Cabral), esses dois últimos presos no âmbito da operação
“Tolypeutes", desdobramento da Lava-Jato no Rio.
-
Ao lado do sentimento de revolta - muitas vezes manifestado através das
multidões, ganhando as ruas no entorno da Alerj - também a repercussão
criminal dos fatos associados à construção da Linha 4 demonstra, por um
lado, o alto grau de reprovação social. Isso evidencia a necessidade de
condenação dotada de caráter punitivo-pedagógico, para que condutas
semelhantes não venham a se repetir no futuro - afirma na ação a
promotora Liana Barros Cardozo.
A
ação pede ainda o ressarcimento do prejuízo aos acusados no valor de R$
3,17 bilhões, além da condenação dos responsáveis pelos atos de
improbidade por ilegalidades contidas e geradas pelos termos aditivos
adicionados aos contratos e reparação por danos morais coletivos.
A
condenação por improbidade pode resultar na perda de bens obtidos
ilicitamente, ressarcimento dos danos materiais, perda da função
pública, 8 a 10 anos de suspensão de direitos. Na ação, os promotores
pedem ainda, em caráter liminar, o bloqueio dos bens dos réus, o
compartilhamento de provas produzidas pela Lava-Jato e a glosa dos
valores ainda não pagos.
"A maior
crise já vivenciada pelo Estado não teria o vulto atual sem os gastos da
Linha 4, sendo reflexo direto dos fatos retratados nesta petição
inicial e em outros efeitos - referentes a isenções fiscais ilegítimas,
obras do Arco Metropolitano e do Maracanã - deflagrados em face do
ex-governador, hoje preso preventivamente, e de colaboradores diretos",
sustentam os promotores responsáveis pela ação.
O
Ministério Público também menciona relatório técnico do Tribunal de
Contas do Estado (TCE-RJ) para individualizar as inúmeras
irregularidades cometidas no planejamento, gestão e execução do contrato
da Linha 4 do metrô, durante março de 2010 a outubro de 2015.
O
ex-governador é responsabilizado, ao lado do deputado federal Júlio
Lopes (PP-RJ), por três dos quatro aditivos sofridos pela obra e que são
alvos do processo. o quarto aditivo está na conta de Luiz Fernando
Pezão e Carlos Osório (ex-secretário de obras).
A
prisão do diretor da RioTrilhos, Heitor Lopes de Sousa Junior, e do
subsecretário de Turismo, Luiz Carlos Velloso (ex-subsecretário estadual
de Transportes na gestão de Sérgio Cabral), acabou por trazer à tona o
nome do ex-secretário de Transportes Júlio Lopes ao escândalo. O GLOBO
revelou que ele já é alvo de um inquérito aberto pelo procurador-geral
da República, Rodrigo Janot no Supremo Tribunal Federal (STF).
Duas
delações de executivos da Odebrecht apontam para o recebimento de
propina por parte do deputado carioca. O diretor de contratos Marcos
Vidigal contou à força-tarefa que Lopes pediu a participação de 0,5%
sobre o valor total dos três trechos das obras da Linha 4 (Trecho Oeste,
Trecho Sul e General Osório). Segundo o delator, Lopes recebeu R$ 4
milhões de 2010 a 2014.
Quando
comemorou o início das obras da Linha 4 do Metrô, em janeiro de 2010,
Cabral afirmou que não queria um solução fácil de engenharia, e sim um
traçado que fosse atrás do consumidor. E estimou o custo total da
empreitada em R$ 4 bilhões. Os recursos viriam da União, da
concessionária prestadora do serviço, de empréstimos e do próprio
Estado. Sete anos depois, os gastos com com a nova linha mais que
dobraram.
Em seu depoimento à
força-tarefa do Ministério Público Federal, o vice-presidente da
Odebrecht Benedicto Júnior explica como o ex-governador influenciou e
ajudou a articular o ingresso da empreiteira no consórcio.
Após
a escolha da cidade como sede dos Jogos Olímpicos, em 2009, a Odebrecht
jogou pesado para integrar o consórcio responsável pela construção do
trecho que ligaria a Zona Sul à Barra da Tijuca, que ficar apenas no
papel desde 1998 e foi reativado por conta dos eventos como a Copa de
2014 e a Olimpíada em. Para isso, a empreiteira comprou a participação
de uma das empresas do grupo Queiróz Galvão - Constran S/A - por R$ 11
milhões e passou a exercer a preferência do contrato, depois de pedir
para que o ex-governador intercedesse a favor da empreiteira.
Em
sua delação , Benedicto diz que Cabral embolsou R$ 50,5 milhões em
propina pagas por meio de caixa dois durante a implantação do projeto da
Linha 4 e por diversas vezes o pressionou para discutir pagamento de 5%
dos valores.
O
executivo revelou ainda que, no meio da execução da obra, as
construtoras que participavam do consórcio — Odebrecht, Queiroz Galvão e
Carioca Engenharia — foram chamadas por Cabral. O ex-governador teria
solicitado a inclusão no grupo de mais três empreiteiras: Andrade
Gutierrez, OAS e Delta.
Benedicto
Júnior afirmou que OAS e Andrade Gutierrez seriam bem-vindas, uma vez
que a primeira era dona da concessionária Metrô Rio e a segunda é uma
das empresas brasileiras com maior experiência em obras de metrô. No
entanto, o consórcio resistiu à inclusão da Delta.
As
obras foram iniciadas em março de 2010, pelo Trecho Oeste, enquanto que
as obras do Trecho Sul só foram iniciadas em outubro de 2012. A
previsão inicial de conclusão das obras e a entrada em operação da Linha
4 era o mês de junho de 2016, porém apenas a ligação entre a Barra
(Jardim Oceânico) e Ipanema (Estação General Osório) entrou em operação
nesta data. Atualmente a Estação Gávea tem previsão para estar concluída
em janeiro de 2018 (segundo o termo aditivo nº 4). Um inquérito civil
apura apura a paralisação da obra.
O
MPF ressalta ainda que os consórcios, mesmo diante da situação
financeira "sabidamente calamitosa", não atentaram para o aviso do
TCE-RJ já em 2009, e seguiram gastando mais e mais com a construção do
metrô, quando o investimento teria que ser direcionado para outras
áreas.
"Assinando
os Termos Aditivos a despeito da falta de Projeto Básico, coleta crível
de preços atuais, estudo de viabilidade econômica e técnica e, em
última análise de uma nova licitação, os réus contribuíram para o
agravamento da situação financeira do Estado, fazendo com que uma
conjuntura desfavorável se transformasse na maior crise da história do
Rio", afirma a promotora Liana Barros Cardozo.
A
Linha 4 do metrô já foi identificada pela força-tarefa da Operação
Lava-Jato no Rio como fonte de propina para alimentar o suposto esquema
de corrupção comandado por Cabral no estado. As revelações foram feitas
por executivos das construtoras Andrade Gutierrez e Carioca Engenharia,
que firmaram seus acordos de colaboração antes dos funcionários da
Odebrecht.
Na
semana passada, O GLOBO mostrou que, antes mesmo da publicação dos
editais de licitação para grandes obras urbanas no Rio de Janeiro, o
então governador Sérgio Cabral definia pessoalmente a quantidade de
lotes, os consórcios que ficariam com cada um, os percentuais de
participação das empresas e quem seria a líder da empreitada.
No
caso da linha 4 do Metrô do Rio, o projeto havia começado em 1998.
Cabral não podia, portanto, definir a licitação, mas cobrou pagamentos
para atender a um pedido de Benedicto. Pelas planilhas apresentadas por
Benedicto, o Arco Metropolitano, o PAC das Favelas e o metrô da linha 4
renderam a Cabral pagamentos da ordem de R$ 68,6 milhões.
Antes
desses três projetos, a Odebrecht já tinha repassado R$ 15 milhões para
Cabral: R$ 3 milhões na época da campanha, em 2006, e R$ 12 milhões no
início do mandato, após o governador eleito pedir dinheiro para cobrir
dívidas. Mas, de 2007 a 2014, o total identificado por Benedicto para
Cabral chega a R$ 94 milhões, associados a diversas obras, como o
Maracanã.
Em
novembro do ano passado, o plenário do Tribunal de Contas do Estado
(TCE-RJ) reprovou as contas das obras da Linha 4 do Metrô após auditoria
realizada pelo corpo técnico da casa concluir que a obra trouxe
prejuízo de R$ 2,3 bilhões aos cofres públicos.
Por
unanimidade, os conselheiros do TCE, aprovaram o voto do relator José
Gomes Graciosa para determinar que estado e empreiteiras apresentem
defesa ou devolvam R$ 1.297 bi aos cofres públicos, por irregularidades
como obras previstas mas não executadas, serviços em desconformidade com
as especificações contratadas e quantidade executada superior à
necessidade. As empreiteiras também terão que apresentar defesa sobre R$
1.193 bi em sobrepreço nos contratos.
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