Introdução
A indústria ferroviária nacional tem passado por um momento
de grande frustração, onde as encomendas esperadas em decorrência da renovação
das concessões não vieram, muito em função da disparada de preços de insumos
como o aço, e pelo aumento nos custos operacionais, especialmente pelo aumento
do preço dos combustíveis, além de irregularidades na demanda das operadoras,
causados pela pandemia, levando a um prolongamento de um período de grande
ociosidade do parque industrial, ao mesmo tempo em que as operadoras tem a
necessidade constante de obter novos materiais de tração para o aumento de eficiência,
confiabilidade e renovação de um parque em que predominam locomotivas ou
herdadas do ente estatal ou compradas de segunda mão no exterior, já atingindo
ou superando os 40 anos de operação, no limite da obsolescência.
O ciclo natural de renovação seria a aquisição de
locomotivas mais modernas, com maior potência, para serviço nos trens
prioritários, cada vez mais longos e com vagões mais pesados, e enquanto isso o
deslocamento das locomotivas mais antigas para serviços secundários como os de
manobra e manutenção. Porém devido ao aumento de preços já citado esse ciclo
tem sido rompido, pois a aquisição de novas locomotivas se tornou muito cara e
o deslocamento das locomotivas mais velhas para outros serviços tem criado situações
de “excesso de potência” nesses serviços, que associada ao desgaste natural das
máquinas tem criado um aumento de consumo de combustível.
A proposta aqui defendida é a de propor a modernização
pesada de locomotivas, através de reconstrução e remotorização como uma
alternativa para driblar os custos dos insumos de duas vertentes: aquisição e
operação.
Aquisição
No Brasil, talvez pelas péssimas condições de entrega do
material rodante recebido nas concessões, estabeleceu-se a lógica de que buscar
a aquisição de equipamentos novos, mesmo que usados, é melhor do que empreender
esforço no sentido de recuperar e modernizar o material rodante antigo, restando
uma impressão de que a reforma de equipamentos é coisa de “saudosista”, descartando-se
a opção de reconstrução. São relativamente poucos os exemplos de programas
dessa natureza, destacando-se aí os programas: C30-7MP, executado pela GEVISA
para a MRS em 2000, onde locomotivas U23C baixadas pela RFFSA, na época com
cerca de 25 anos, foram reconstruídas, aproveitando-se basicamente apenas as
plataformas (estrados e chassis), e as RS3, locomotivas da Alco, fabricadas em
1952 e remotorizadas entre 1996-98 com motores Wabtec FDL8, ainda em serviço na
MRS, Supervia e CPTM.
Locomotiva RS3 antes
da remotorização, atualmente essa máquina ainda se encontra em operação na CPTM.
Nos EUA esse tipo de intervenção é muito mais comum, sendo
que tanto a Progress (EMD) quanto a Wabtec mantém programas de
repotencialização de locomotivas em seus catálogos de serviços, e outras
companhias como: NRE, Knoxville Locomotive Works, Brookville Equipment, Cummins
and Railserve LEAF também atuam no mercado.
Locomotiva Baldwin AS16
reconstruída com motor e transmissão EMD, notasse a seção posterior a cabine
totalmente substituída, essa máquina operou por cerca de 20 anos após a
reconstrução
Na prática o que se pode observar desses programas é que se faz a construção de máquinas novas sobre o chassi existente, substituindo-se praticamente tudo o que possui partes móveis ou contatos elétricos. Estima-se que a reconstrução do material rodante pode dar uma sobrevida ao equipamento de até 40 anos, dependendo do nível de intervenção A economia de custos vem do reaproveitamento dos itens de caldeiraria pesada, sendo o aço o principal insumo desses componentes. O chassi de uma locomotiva, juntamente com a cabine, tanques de combustível e truques, correspondem a mais de 80% do peso de uma locomotiva. Embora o custo total de produção não seja diretamente proporcional ao peso do material empregado, ainda assim já se percebe a redução do esforço de fabricação e de consumo de material e consequentemente do custo, o programa 710 ECO da Progress indica que a repotencialização de uma locomotiva permite uma economia de 40 a 50% em relação a uma máquina nova.
A maior parte dos programas de reconstrução de locomotivas
se concentra em máquinas na faixa dos 2000 a 3000HP com motores de corrente
contínua, justamente onde estão modelos de locomotivas muito comuns nas
ferrovias brasileiras tais como: U20C, U23C, C30, C36, SD38, SD40 e SD45.
Para esse perfil de locomotivas há dois produtos de destaque
que são ofertados pelos fabricantes presentes no território nacional: O EMD®
710ECO™ da Progress e o “C Series” da Wabtec, ambos oferecem, pelo menos nos
EUA, kits de modernização ou locomotivas com componentes compatíveis com as
locomotivas sendo baixadas, com opção de motores diesel de 8 ou 12 cilindros,
novas transmissões com microprocessamento e sistemas de controle de aderência,
que podem ser instalados sobre chassis de locomotivas baixadas, com índices de
compatibilidade de componentes chegando a 90%.
Operação
Embora não sejam tão potentes quanto as locomotivas novas
mais comumente encomendadas pelas ferrovias brasileiras, notadamente as ES e
AC44 da Wabtec, com 4400HP, as locomotivas remanufaturadas são tão eficientes
quanto, a redução de consumo de combustível pode chegar a 25% e de
lubrificantes de até 50% em relação as máquinas de geração anterior. Nesse
aspecto há uma oportunidade de ganho que pode ser explorada, a melhor alocação
do uso de potência nos trens:
Com a entrada em operação das locomotivas mais potentes nas
tabelas dos trens unitários mais pesados e com maior prioridade, as locomotivas
retiradas desses trens assumem tabelas menores, normalmente de carga geral, de
serviço ou mais recentemente nos expressos de containers, nessas aplicações é
necessária uma flexibilidade muito maior, pois além das tabelas variarem de
tamanho, há uma quantidade maior de manobras associadas ao carregamento, além
de um tempo também maior de espera com as locomotivas paradas e os motores
ligados em ponto morto, devido a menor prioridade em cruzamentos. Nesse cenário
mais locomotivas de menor potência levam vantagem sobre máquinas maiores, pois
a potência em excesso pode ser desligada ou retirada do trem. Porém não basta
remanejar as máquinas, as locomotivas de geração anterior, possuem um consumo
específico de combustível maior que as atuais e sem a modernização dessas os
ganhos relacionados a alocação de potência se perdem diante da ineficiência, faz-se
necessária a modernização das máquinas, que tende a ter custo inferior do que a
compra de locomotivas novas da mesma faixa de potência.
Locomotiva BB36 com um trem de serviço aguardando cruzamento em Bambuí-MG, excesso de potência: 3600hp para apenas 4 vagões leves.
Também se deve pensar com cuidado no fenômeno ocorrido nas ferrovias classe I dos EUA na década de 90, onde a entrada em operação de locomotivas novas na faixa de 6000hp, que inicialmente objetivava maior eficiência e redução de custos de manutenção, gerou uma perda de flexibilidade na potência alocada, fenômeno esse que pode se repetir no Brasil com a foco na aquisição de máquinas novas apenas na faixa de 4400hp (SD70 e AS/ES44)Conclusão
A reforma pesada do material de tração sendo baixado deve
ser considerada seriamente como uma opção diante do cenário atual, rompendo a
postura atual, obviamente os custos e detalhes técnicos envolvidos devem ser
avaliados caso a caso, mas ressalta-se que essa avaliação deve ser feita antes
da tomada de decisão pela aquisição do material novo devido ao potencial de
economia envolvido.
Bibliografia
http://vfco.brazilia.jor.br/diesel/diesel/locomotiva-C30-7MP-MRS-ex-U23C.shtml
http://vfco.brazilia.jor.br/diesel/diesel/locomotivas-U23C-modernizadas-para-U23CA-RFFSA-SR3.shtml
https://www.railwayage.com/news/rebuild-renew-repower/
https://www.wabteccorp.com/locomotive/light-weight-locomotives/dc-locomotives-c21-c25emp
http://baldwindiesels.railfan.net/cnw/index.html
MRS Logística S.A. - A Ferrovia de Minas, Rio e São Paulo,
2002, Memória do Trem
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